Wálter Maierovitch: O novo Alemão e a indústria das drogas
É preciso atacar a economia do tráfico. De outra forma, não haverá avanços
Por Wálter Maierovitch, em CartaCapital
Sozinho e com a elementar cautela de substituir os habituais paletó, gravata e sapatos por camiseta, bermuda e tênis, dei um giro pelo Complexo do Alemão. Só faltou uma volta de teleférico – estava em reforma. Deu para sentir o novo astral e o contentamento da comunidade decorrentes das designações do experiente general Fernando José Lavaquial Sardenberg, infante e paraquedista, para comandar a Força de Paz no Alemão (foi o primeiro em missão no Haiti). E de juízes estaduais para solucionar conflitos e dissensos, quando estes, antes da reconquista pelo Estado, eram resolvidos pelo crime organizado, que aplicava as suas “leis”.
Não se deve esquecer, como já ensinou Piero Calamandrei nas suas Opere Giuridiche, que o Judiciário, ao solucionar conflitos, restabelece a tranquilidade social. Enfim, os moradores do Alemão voltaram a ter cidadania e até uns trocos do “cartão Família Carioca”, um nada original Bolsa Família criado pelo prefeito Eduardo Paes: 440 mil moradores que vivem abaixo da linha da pobreza serão beneficiados – 12% habitam no Alemão.
No Alemão, dentre tantas coisas, interessei-me em saber sobre a casa, com piscina e deck de madeira, de um dos chefes do tráfico. As imagens da casa têm sido repetidas desde a operação policial e os jornais noticiaram como tendo sido uma surpreendente descoberta feita pelas forças de ordem. A tal casa fica no alto e se destaca na paisagem. Poderia ter sido objeto de fotografias aéreas ou de filmagens pelos 007 da inteligência policial. Por evidente, uma “banda pobre” policial mantinha a sua blindagem.
Uma comparação assaltou-me no Alemão. Na região andina, fotografias aéreas e imagens de satélites são registradas com o objetivo de acompanhar as áreas por onde se espalham os arbustos da coca, cuja folha é a matéria-prima na elaboração do cloridrato de cocaína. Desse importante material de imagens decorreu a conclusão de que as áreas de cultivo de coca migram. Mais ainda, nos últimos 20 anos, nunca foram reduzidas.
Ora, não se vence a batalha contra o crime organizado, quer de matriz mafiosa, quer terrorista, sem ataque à economia que movimenta e lhe dá força. Quando a meta é levar as associações delinquenciais à bancarrota, torna-se imprescindível a coleta de dados, como a da casa do chefão do tráfico de drogas ilícitas do Alemão ou os estabilizados 200 mil hectares de arbustos de coca nos países andinos. Sem o desfalque patrimonial, as organizações criminosas continuam a exercitar o poder corruptor, a se infiltrar no poder e influir em época eleitoral.
Depois de preso, Al Capone, que controlava em Chicago a famiglia da Cosa Nostra, resolveu revelar como conseguiu, em 13 anos de Lei Seca (1920-1933), amealhar 60 milhões de dólares: I own the police (algo como a polícia me pertence). E para ter a polícia na mão, Capone precisava de dinheiro. Parênteses: Capone, que era bronco, não lavava dinheiro e foi preso por não pagar tributos. O lavador de dinheiro da Cosa Nostra sículo-norte-americana era Meyer Lansky, dado como gênio das finanças. Lansky nunca foi preso e jamais passou mais de 40 minutos num distrito policial.
Conforme revelado pelo jornal Valor Econômico, a polícia carioca utiliza um potente software. Como o programa carece ser abastecido de dados, algo anda a falhar. Dessa base de dados não contava a casa com piscina e deck no Alemão. Numa visão macro, a criminalidade organizada do Rio e de São Paulo (PCC) ainda não foi atingida para valer no seu “bolso”. As apreensões de imóveis de Polegar e de Thiago Santos Igreja são insignificantes à luz do fenômeno criminal instalado há mais de 30 anos no Rio.
Outrossim, impressiona o fato de o jornalismo investigativo, e não as polícias, haver revelado, em O Globo e diante da grande quantidade de drogas encontradas no Complexo do Alemão, que traficantes brasileiros ligados a Beira-Mar têm fazendas em Capitán Bado e Pedro Juan Caballero, e de lá sai parte da maconha ofertada nos mercados do Rio e de São Paulo. Pior: desde 2000, o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone denuncia o uso de sementes transgênicas de maconha em Capitán Bado.
Com efeito. O secretário de Segurança do Rio, que conseguiu pela primeira vez na história nacional uma marcante vitória contra o crime organizado na Vila Cruzeiro (Penha) e Complexo do Alemão, sem derramamento de sangue inocente e dentro da legalidade, deveria reforçar as ações de contraste à economia das associações que atuam dentro do Rio e, também, identificar as redes, fora do estado, de fornecimento de drogas e armas às quais o Comando Vermelho, os Amigos dos Amigos e as milícias estão plugados.
Convém não esquecer um sempre atual ensinamento do advogado Edwin Meese, colaborador do FBI nas questões de branqueamento de capitais. Para ele, a “lavagem de dinheiro é como o banco de sangue que dá vida ao crime organizado”. E como pecunia olet (o dinheiro tem cheiro), o capital sujo pode ser perseguido.
*Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP