STF autoriza polícia a afastar agressor de mulher antes de autorização judicial
Se for esperar “48 horas para informar o juiz e 48 horas para o juiz decidir, depois de quatro dias a vítima estará morta”, afirma ministro
O voto do relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, foi elogiado por todos os seus pares. Moraes destacou o fato de que, no Brasil, muitos municípios não têm um juiz. Desse modo, mulheres ficam à mercê de agressores se a polícia, legalmente, não puder entrar em uma residência em caso de agressão por uma filigrana jurídica.
O ministro observou que 52% dos municípios não têm juiz porque não são sede de comarca (Justiça estadual). E que 1.467 municípios não têm delegacia. “Então, algo precisaria ser feito”, disse Moraes. O ministro considerou ser absolutamente fundamental a polícia poder agir. Isso porque, com a previsão anterior, de se estipular “48 horas para informar o juiz e 48 horas para o juiz decidir, depois de quatro dias a vítima estava morta, como várias vezes ocorreu”, enfatizou o relator
Dever do Estado
“O Estado tem de coibir a violência no âmbito das relações, como determina a Constituição”, disse Moraes. Segundo o voto, estudos mostram que, das mulheres que são vítimas de feminicídio no Brasil, 97% não tinham nenhuma medida protetiva. Isso demonstra que as medidas impostas pela alteração à Lei Maria da Penha são eficazes, argumentou o relator.
De acordo com ele, durante a pandemia de covid-19, uma em cada quatro mulheres brasileiras acima de 16 anos sofreu alguma violência ou agressão. “A pandemia ao invés de aumentar a solidariedade, aumentou a violência”, sublinhou. Segundo o voto, a permissão para a intervenção policial é uma necessária e “clara exceção à inviolabilidade do lar”.
No Brasil, no último ano, 17 milhões de brasileiras sofreram alguma violência. “Um número absurdo. Os números são catastróficos”, disse ainda Moraes. O presidente do STF, Luiz Fux, destacou que “o quadro da realidade” impõe a necessidade de uma ação imediata, no caso a intervenção da polícia quando da ausência de jurisdição judicial, o que é uma falha do Estado. “Essa é uma causa digna de julgamento por uma corte constitucional”, disse Fux.
Em 2020, segundo matéria da revista feminista independente AzMina, apenas 7% das cidades do Brasil tinham delegacias especializadas em atender mulheres. Grande parte dessas delegacias sequer atende o telefone e 6% das unidades informadas pelos governos nem eram “da mulher”.
Argumento corporativista
A AMB se valeu de um argumento corporativista, alegando que a autorização introduzida na Lei Maria da Penha tem de ser de competência de um juiz. A alteração feita pelo Congresso – ao permitir que a autoridade policial tome medidas sem solicitar autorização da Justiça – viola o princípio constitucional segundo o qual medidas de restrição de direitos só podem ser tomadas por decisão judicial, argumentou a entidade. A AMB também alegou que a casa é local inviolável e uma pessoa não pode ser privada de seus bens sem o devido processo legal.